quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Diego de la gente


Diego tinha certeza que seria um dos grandes do futebol já quando batia bola nas ruas de Villa Fiorito, em Buenos Aires. A segurança na fala do menino convencia qualquer um de que ele seria um astro da Argentina e de qualquer clube que defendesse em sua carreira. 

Assim foi a lenda de um dos maiores craques e acima de tudo de um personagem enorme. Mais até do que o próprio menino acreditava. Sabia sim que poderia dar uma vida melhor para a família, como confessou a Emir Kusturica, diretor do documentário mais famoso sobre sua figura. O que não esperava era ser santificado.

Maradona transcendeu qualquer barreira imposta a um mortal, a um mero jogador de bola que o esporte produziu aos montes. Difícil lembrar de outro exemplo de pessoa que tenha alçado um voo tão alto quanto o dele. De jovem craque do Argentinos Juniors até o mito do Napoli que fazia gols de todas as formas possíveis com técnica refinada e acrobacia, Diego traçou sua carreira tentando seguir o caminho que via nos seus sonhos. Logo ganhou espaço, fama, dinheiro e a idolatria do seu povo. 

Criado e crescido pobre como seus vizinhos em Fiorito, não virou as costas para a vida cruel das favelas e sempre fez questão de lembrar de onde veio. Se há uma coisa que se pode honrar no homem que ele se transformou é justamente a sua fidelidade aos princípios que cresceu e quase morreu defendendo. Diego era o povo argentino com a bola nos pés. Sofrido, determinado, incansável e sedento por vingança contra a Inglaterra em 1986. 

Foto: BBC
O gol do século e a Mão de Deus
A guerra das Malvinas seria uma motivação especial para que a Argentina encarasse a Inglaterra com a faca entre os dentes nas quartas de final da Copa de 1986, momento em que Maradona mais brilhou como jogador. Carregou o time até a decisão contra a Alemanha, transpirando talento e jogadas assombrosas como o lendário "gol do século", driblando metade do time inglês até balançar as redes de Shilton. 

Antes de desmoralizar a Inglaterra na bola, teve uma ajuda de certa forma divina, auxílio com que apenas os grandes campeões podem contar. A Mão de Deus baixou numa dividida de Diego com Shilton, no lance em que o camisa 10 deu um claro soco na bola para marcar. O resto é história. 

Uma vez Diego, sempre Diego
O lado mortal de Maradona deu as caras anos depois quando o seu lado humano sucumbiu ao uso da cocaína. Arrependido pelo que lhe ceifou os anos finais de carreira e a chance de vencer mais uma Copa, Diego admite a Kusturica em um trecho do documentário que poderia ter sido muito mais do que foi. Reconhece que não teve nenhum benefício sendo usuário da droga, que ela apenas fazia surgir o seu pior. Nessa carta de confissão, nenhuma palavra sobre o doping na Copa de 1994, coisa que ele nega com veemência. Verdade ou não, o gênio em campo passou por uma prova de fogo para com o seu povo. Nos momentos mais difíceis, teve a Argentina ao seu lado, como nos dias felizes em que ergueu a taça do Mundial no México.

Em outras cenas do filme, esbanja originalidade e dá de ombros para o imperialismo americano, coisa que abomina tanto quanto as politicagens praticadas por João Havelange, a quem só faltou chamar de diabo na Terra. Entre palavras de ódio a Bush, amor a Fidel e Cuba, Diego provou que sua maior virtude é ser gente.

Não é exagero dizer que virou Deus. Absolvido de todos os crimes contra si mesmo, Maradona é o mais próximo que os argentinos podem chegar do que consideram uma santidade. Católicos ou não, os seus fiéis não se importam se o seu querido Diego quase padeceu após a fragilidade e rendição aos vícios. 

"La vida es una tombola, de noche y de dia"
Não lhes interessa se para os olhos do resto do mundo Diego é o cara que se perdeu no turbilhão dos narcóticos. Para os argentinos e para quem aprecia as boas histórias e os personagens gigantes, Maradona é um prato cheio. Um legítimo representante do povo e que não deixou de sê-lo nem em seus piores dias. Diante de um enorme público, Diego fez a voz argentina ecoar para o mundo todo ouvir. 

Como é bom ver que nem sempre a pessoa física destrói a magia que conseguia praticar em campo. Por isso Maradona é tão grande. Diria Kusturica que os deuses sempre serão perdoados. E quem há de julgar sua postura de águia para proteger o seu povo e brigar contra cachorros grandes na política e no esporte? 

"Maradó, maradó!
Su sueño tenia una estrella
Llena de gol y gambeta
Y todo el pueblo cantó
Maradó, maradó!
Nació la mano de dios
Maradó, maradó!
Llevó alegria en el pueblo
Regó de gloria este suelo"
(La Mano de Diós - Talco)

 

Postado originalmente na Total Football (http://blogtfcorp.blogspot.com.br/2013/09/diego-de-la-gente.html) por Felipe Portes.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Três grandes apavorados na Argentina

Com poucas rodadas disputadas na Argentina, três grandes já vivem momentos turbulentos. Na primeira divisão, Racing e River Plate passam por maus bocados. Em 16º lugar na tabela, o River Plate soma quatro pontos em quinze possíveis, mas o pior de tudo é o desempenho ofensivo do time de Ramón Diaz: apenas dois gols em cinco jogos, sendo que no total foram apenas dezoito conclusões a gol. Os millos fazem um gol a cada 225 minutos, o pior aproveitamento do clube na época do profissionalismo.
Já a Academia é lanterna absoluta e convicta do Torneio Inicial, com apenas um ponto conquistado em cinco rodadas, além da eliminação para o Lanús no embate doméstico pela Copa Sul-Americana. O que resulta disso é que o treinador Luis Zubeldía foi convidado a enveredar pela porta da rua e no seu lugar chega Carlos Ischia, corajoso ou lunático, dependendo do ponto de vista. Mesmo assim, a hinchada do Racing não se cansa de dar voz ao famigerado FANTASMA DE LA B, que continua flanando pelo mundo e zombando do rival Independiente.
DEP_INDEPENDIENTE
Porque a situação do Independiente é semelhante à do Racing, com a diferença crucial de que é vivida no purgatório. Na estreia de Omar de Felippe, neste final de semana, os diablos apenas empataram em zero em casa contra o homônimo de Mendoza. Passadas cinco rodadas, o Rojo de Avellaneda soma três pontos em cinco rodadas, ainda não venceu na Primera B e, pior que isso, hoje está na zona de descenso à Primeira B Metropolitana, a TERCEIRA divisão do futebol argentino.
A foto é do La Nacion.
Texto publicado originalmente no Impedimento (http://impedimento.org/tres-grandes-apavorados-na-argentina/) pelo Douglas Ceconello.